Enquanto veste a fantasia de atriz, Ivete Sangalo não descuida do produto fonográfico. É lógico. Com muitos carnavais nas costas, ela sabe muito bem como a máquina funciona. A embalagem é bonita (e o encarte tem mais do que a capa anuncia), mas, nesses tempos de baixas vendas, “Real fantasia” tem como função primordial fornecer combustível para o rolo compressor que é Ivete ao vivo. E, nisso, ele não decepciona. Ou tampouco surpreende.
Com uma produção de inegável eficácia técnica, o álbum não sai dos trilhos em momento algum. É aquilo mesmo: funk, reggae, batuques afro, samba-rock, latinidades, dance music... O híbrido da folia, testado e aperfeiçoado pela cantora em cima dos trios. Uma música à qual o país está bem acostumado.
Ivete Sangalo não quer ser negra, nem loura: ela é Ivete, e está muito feliz com isso, como deixa claro no reggae “No meio do povão” ao cantar “avisa que Ivetinha tá passando, o povo vai descer pra ver”. É um dos vários candidatos a hit de “Real fantasia”, disco bastante homogêneo, em que não dá para eleger destaques. No máximo, apontar singularidades, como a levada neodisco de “Essa distância”, o forte tempero de salsa de “Delira na guajira” ou a guitarra baiana flamejante de Armandinho na faixa-título, boa sucessora de “Cadê Dalila?” nos embalos carnavalescos.
Como cantora, Ivete recusa-se a encaixar-se nos parâmetros mpbísticos impostos às vozes. Ela funciona mais como a capitã de um barco que segue a todo vapor, com algumas paradinhas estratégicas. Uma delas é em “Me levem embora”, de Dori Caymmi e Jorge Amado (da trilha de “Gabriela”), na qual ela tira uma de intérprete, deslizando entre sopros e violão de grande beleza. Outras são as baladas (cada vez mais indispensáveis em seu repertório): “Só num sonho” e “Eu nunca amei alguém como te amei”, cuja melodia guarda algumas semelhanças com a de “Todo o sentimento”, de Chico Buarque e Cristóvão Bastos. Sucesso, aqui, não pode ser fantasia: é realidade.
Cotação: Bom
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário