Você sempre demonstrou vontade de fazer um show gratuito em Salvador. Por que só foi acontecer agora?
Ivete: A gente sempre teve essa vontade, mas toda hora havia alguma coisa, era agenda, espaço, o comprometimento com nossos parceiros (Ivete conversa enquanto tenta acelerar o carro, cercado de fãs). E eu previ que este ano agente tinha que fazer. Fui eu que me convidei, o investimento foi meu. Eu queria, obviamente, estar conectada com as regras da cidade, não burlar nenhuma regra, nenhuma lei. Fui à prefeitura, solicitar a liberação do espaço e, óbvio, um apoio que ela acaba dando de segurança, linhas de ônibus, tudo que é coerente com a função de uma prefeitura. Mas o investimento do show foi nosso. Foi um investimento que eu fiz do meu coração, sacou? Dar de presente mesmo, fazer lindo, para o público. Tudo que eu faço aqui dá certo e eu tenho uma ligação com o povo muito intensa.
Na época do show em Nova York, falou-se muito em uma carreira internacional. Ao mesmo tempo pareceu que você estava realizando um sonho.
Ivete: Os meus sonhos não são tão previsíveis quanto parecem. Por exemplo, eu nunca imaginei tocar no Maracanã, mas, quando a ideia veio, se tornou um sonho. No Madison Square, em Nova York, foram vários fatores que não especificamente o lugar. O mais lindo de tudo foi a movimentação em torno. Foi uma festa no exterior, as pessoas foram daqui pra lá, as comunidades de lá foram me prestigiar. Eu descobri uma faixa de fãs que até então tinha um conhecimento muito vago. Americanos, hispânicos, latinos de uma forma geral. Tinha gente até de Israel. Foi bom saborear isso, o alcance do que a gente faz.
Você sentiu que era possível se inserir no show business americano sem se adequar ao padrão deles?
Ivete: Eu nunca vou ter uma carreira internacional como um americano tem. É a primeira potência, é uma língua universal. Pela própria subserviência - não no sentido ruim da palavra - e pela própria hierarquia dos poderes, a gente acaba ouvindo o que impera de lá para cá, apesar de termos uma força talvez até maior do que a deles de expressão, de personalidade. É muito ingênuo a gente querer ter o alcance e a expressão de um artista americano, apesar de eu achar que isso é possível. Mas isso não pode ser uma grande partida, porque aí você perde o vínculo com o objetivo que é levar sua música.
Seria fundamental cantar em inglês?
Ivete: Não necessariamente. Cantar em inglês, espanhol, italiano, isso é sentimento, porque você prestigia uma outra cultura. Mas não deve ser uma obrigação. Tudo que passa por uma obrigação estratégica não tem verdade, e o que não tem verdade o público não absorve.
« Fico feliz quando eu ganho o prêmio (Dodô & Osmar). Com o passar dos anos, continuar tendo a indicação, o pretígio...»
Você vai ser mestre de cerimônias do Troféu Dodô e Osmar, já ganhou o prêmio 11 vezes. Ainda tem algo por conquistar junto ao público baiano?
Ivete: Oh, que bonitinho (risos). Essa percepção é muito mais de fora pra dentro do que daqui pra fora. Eu lhe digo: eu sempre me emociono, me impressiono. Eu fico feliz quando ganho o prêmio, acho tudo muito massa. Com o passar dos anos, continuar tendo a indicação, o prestígio, a lembrança das pessoas... Estar no imaginário popular é sempre do cacete. Se você me perguntar "Ô Ivete, você quer fazer o quê?". Eu quero fazer um bocado de coisa de novo. Eu adoro premiação, me exibir, eu quero é rosetar. Eu não quero saber se o pato é macho, eu quero é ovo (risos).
Você disse que vai ser a "mestre sem cerimônias" da premiação.
Ivete: É. Vai ser ótimo. "Querido, você vai pegar o prêmio, mas você não vai falar". O grande problema do prêmio é a pessoa falar, agradecer a fulano, cicrano. Aí começa uma lista.
Você disse que vai ser a "mestre sem cerimônias" da premiação.
Ivete: É. Vai ser ótimo. "Querido, você vai pegar o prêmio, mas você não vai falar". O grande problema do prêmio é a pessoa falar, agradecer a fulano, cicrano. Aí começa uma lista.
Das últimas três edições do Dodô & Osmar, em duas a melhor música foi para um pagode (Rebolation, em 2010, e Mulher brasileira, em 2008). Você mesma sempre canta um pagode em seus shows. Há uma mudança nos rumos do Carnaval?
Ivete: São nuances (pausa), são nuances. A diversificação é uma forma de a gente respirar em ciclos. Não se vive a mesma coisa o tempo todo, as coisas vão se transformando. Eu não acho que seja o pagode, necessariamente. Carnaval é uma música alegre, divertida, é muito disso.
Parte da mídia analisa o axé como um hit que não se renovou. Ao mesmo tempo, em uma lista divulgada pela Ecad na semana passada, das dez músicas mais executadas em shows de 2010, sete são exatamente de axé.
Ivete: Pois é, eu não compreendo (desliga o carro na garagem do prédio onde mora e se direciona até o elevador). É como se fosse um pensamento contrário, até mesmo pela falta de argumentos sobre isso. É um pouco o sentimento de levantar a lebre, entende o que esto falando? Eu não sei se a imprensa baiana, se não fosse esse formato (do Carnaval e do axé),teria tanto assunto. Agora, dentro de todo o processo existe estagnação, se reinventar é um exercício muito difícil. Eu acho que toda crítica tem que partir de um ponto de vista particular. "Ah, uma estagnação". Talvez não seja. Talvez seja o prenúncio do novo.
Você não acha que o Carnaval de Salvador poderia ser melhor explorado lá fora?
Ivete: Minha filha, tá doida? É uma das festas mais comentadas e elogiadas do mundo. Este ano mesmo, a gente teve a transmissão pelo YouTube, o Carnaval apareceu para o mundo inteiro, real time. Acho que a gente está num caminho mais promissor.
Saulo Fernandes saiu este ano sem cortas, Márcio Vítor disse que vai fazer o mesmo. Você faz o arrastão, Carlinhos Brown tem o Camarote Andante, Daniela Mercury sai no trio independente. Os artistas estão tendo a percepção de que é preciso olhar para a pipoca?
Ivete: A festa da gente sobrevive e ela vive dessa possibilidade de ser para todo mundo, já está nas entrelinhas. O cara que vai para a rua vê o artista que ele quer. Tudo tem que ter um equilíbrio. Por exemplo, eu acho que o encontro de trios na Castro Alves era aberto ao público, era pra todo mundo e acabou. Tem que ter algo que sustente isso burocraticamente. Tem que ser interessante pra todo mundo, entendeu? Acabou a festa da Castro Alves. Não é o ponto de vista de ser popular ou não, é o ponto de vista de organização. E toda organização requer uma burocracia, uma desenho, um custo. Então, nem tanto ao céu, nem tanto ao mar, tem que ter um equilíbrio. Faz para a pipoca, faz para o bloco - que também é para a pipoca - obedece-se a regras.
Você acha que falta um olhar do gestor público para isso?
Ivete: Eu vou te falar uma coisa. É muito difícil falar de organização onde tem festa, onde tem gente no meio, uma festa popular, de graça, onde todos podem participar. Você determinar um ritmo para aquilo com dois milhões de pessoas na rua... É quase que humanamente impossível se aproximar disso, mas nós contamos com uma tradição e uma organização já nas entrelinhas. O bloco sai, a pipoca sai, engarrafa ali, o trio quebra. Normal. Existe uma organização pela própria cultura da festa. É muito difícil você terminar horário para tudo. Aí vira uma espetáculo para a televisão.
Artistas como Carlinhos Brown, saem de madrugada, quando as emissoras não estão mais transmitindo. Ele, que é um dos protagonista da festa.
Ivete: É porque a gente acha que a transmissão é mais importante. Por quê? Porque gera a parte da burocracia. Mas a emoção esta lá. Ele tá lá na rua, com o bloco dele, o povo dele. É preciso dinheiro e estrutura para favorecer estes momentos. A gente precisa estudar o histórico da relação com o Carnaval. Ela tem que ser cultural, tem que ser uma conexão real e enraizada. Cada artista tem que ter consciência dessa relação, do que foi promovido até então.
Este ano, Ricardo Chaves utilizou o site dele para criticar a evolução do Carnaval ditado por atrasos dos artistas que param em frente a seus camarotes para fazer "shows particulares". Você, este ano, estreou seu camarote. Como vê isso?
Ivete: Eu não vou responder a isso porque vai gerar uma polêmica em torno de uma pessoa que eu quero muito bem. Tanto favorecendo como desfavorecendo a opinião dele, eu estarei me envolvendo numa polêmica. As minhas opiniões, assim como de Ricardo deu as dele, serão dadas de acordo com a minha conveniência. Ricardo é muito meu amigo. E eu tenho camarote, eu paro o meu trio para cantar no meu camarote. Então seria até uma pieguice dizer: "Não, veja bem, porque..." (faz caras e bocas, já sentada numa poltrona para continuarmos a conversa). Não. É uma realidade hoje no Carnaval? É. Todo mundo quer ter seu camarote? Quer. Todo mundo quer cantar para o bloco? Quer. Todo mundo quer cantar para a pipoca? Quer. É muito contraditório dar uma opinião favorável ou desfavorável em uma coisa na qual eu e ele estamos envolvidos.
A cena cultural de Salvador, fora o período do Carnaval, fica a dever por não ter um bom espaço para shows de grande porte. Quando uma banda vem em turnê pelo Brasil, vai para Recife. Você já disse que um dos seus projetos para o futuro é construir uma casa de shows aqui.
Ivete: Falta de vontade nunca me faltou. Tem o projeto, tem tudo. Mas é muita burocracia, e a gente quer se dedicar. Eu nem posso te responder de pronto porque Jesus (Sangalo, seu irmão) é o cara que teve a ideia, que tem a negociação nas mãos. Você pode perguntar a ele. Na verdade, eu sei dos ecos dessa negociação. O projeto está todo bonitinho, organizadinho.
Você é conhecida por ter um controle absoluto da carreira. Em outras esferas, como o twitter, também é você quem responde, divulga, fala com os fãs?
Ivete: Minha filha, pela quantidade de besteiras que eu falo, você tem dúvidas de que sou eu? (risos).
Se Ivete Sangalo fosse entrevistar Ivete Sangalo, qual seria a pergunta que uma faria à outra?
Ivete: De onde vem tanta beleza? (risos) Era isso que eu ia me perguntar.
Por quê? O excesso de trabalho, o estresse lutam contra isso?
Ivete: Não, o excesso de trabalho só corrobora. De alguma maneira o trabalho me deixa belíssima. O segredo é felicidade, realização. Realização é a grande parada, seja ela no âmbito profissional ou pessoal. E eu vou lhe falar que eu tenho andando por caminhos muito lindos.
Você raramente aparece flagrada por paparazzi no Brasil, aparenta preservar muito sua privacidade. Por que essa preocupação (neste momento, o maquiador reclama que a maquiagem está com dois tons diferentes e vem corrigir).
Ivete: Eu sou uma pessoa muito caseira, meu público não consome esse tipo de notícia a meu respeito. Foi o que eu me propus publicamente, de forma ingênua, porque, quando eu comecei minha carreira, eu não tinha a percepção do poder de mídia, essas coisas. Apesar de que eu falo disso (da vida pessoal) esporadicamente, sem o menor problema. Mas assim... Não há um interesse. O assunto que me liga às pessoas é mais forte, é mais intenso, é mais verdadeiro. As pessoas vêm para o Carnaval, eu faço um repertório massa, eu me dedico profissionalmente, cuido da minha voz, me preparo, canto as músicas que eu gosto, que eles gostam. É como se nós entendêssemos, eu e meu público, que nada do que for dito fora nossa conexão será importante... (nesse momento, aparece Dito, produtor e padrinho de Marcelo, filho de Ivete, de 1 ano e oito meses, com o menino no colo. Ivete interrompe a entrevista e vai ao encontro deles). Ai, mãe! Gostoso! Diga “boa tarde, gente”.
A gente pode fazer foto de vocês dois?
Ivete: De maneira nenhuma! Você morre esturricada ali na esquina (risos). (Ivete pede que Dito leve Marcelo para ver a vista da Bahia de Todos-os-Santos).
Voltando para essa coisa de exposição, sair na rua e ser fotografada por paparazzi é quase inevitável, não?
Ivete: Mas aqui não tem isso. É tanta notícia do objeto trabalho que não tem a cultura paparazzi. O que você sabe da vida de Daniela? Do cantor do Olodum? De Bell?
Mas não se ouve falar que você foi à rua tomar um sorvete, comprar um pão.
Ivete: O quê? Diga aí Marcela (vira para sua assessora). Eu vou para todos os lugares. Anteontem mesmo, eu fui comer caranguejo com Sabrina Sato na Pituba. Eu vou mulambaticamente de chinelo. Nunca vi uma foto minha. Praia do Forte? Eu vou para a vila da Praia do Forte de pijama. Eu acordo com ele (Marcelo) cedo e vou passear. O povo daqui não tem essa cultura de ficar curiando essa vida alheia.
Não cansa o excesso de fotos, estar sempre maquiada?
Ivete: Mas não tô sempre, não... Eu fico tanto tempo sem...Como você mesma falou, eu não tenho essa obrigação, graças a Deus, não é uma personagem. Se o menino ta tirando uma foto ali, se eu tiver que ficar bonita, vou ficar bonita. Eu acho que a gente às vezes subestima muito o público, sabe? De achar que o público não vai perceber coisas, nuances. Mas o público percebe. Eu percebo isso, eu sou o público, tenho uma visão de público. Para sua matéria, para o Big Brother, para o Fantástico, um jogo de futebol. Eu querer ser uma coisa que não engoliria? Então eu vou vivendo a vida. Às vezes eu fico cansada, mas eu sempre consigo me divertir com as situações, isso é uma coisa da minha personalidade. É uma terapia muito particular minha comigo mesma.
« Eu comprava música na internet que não tinha acesso de nenhuma forma »
Eu li um perfil seu na Rolling Stone...
Ivete: Você lê bastante, né, minha filha? Eu só leio gibi, horrível (risos). Eu podia dizer que tô lendo um livro de Gabriel García Márquez, um livro de não sei quem...
Você disse que baixava música na internet. Qual sua opinião sobre a atual discussão sobre a lei do direito autoral?
Ivete: Eu tenho uma conta no ITunes, mas que é uma conta internacional. Agora é que o ITunes chegou ao Brasil. Eu geralmente comprava música na internet a que eu geralmente não tinha acesso de nenhuma forma. Ou não tinha tempo, ou não achava o disco, ou aquele artista a gravadora dele não lançava aqui, ou acabou. Acho que pode haver uma determinação na internet em que você baixa a sua música por um valor pequeno, tratado como singles, ou até mesmo todo disco, uma coletânea. Isso seria um processo semelhante a de compra (do CD) de viabilização via tecnologia, via internet. Nós não podemos dar um passo para trás, tem que ser para a frente. Mas que seja dentro d legalidade, que isso dê o direito autoral, que dê aos profissionais que trabalham direitos conexos e por aí vai. Tem que ser uma nova regulamentação. Não tem outra saída a não ser dessa maneira.
Fonte: Revista Muito > Destribuído por Bozolinos da Ivete
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